segunda-feira, 19 de maio de 2008

Qualificação dos imigrantes em Portugal

O Observatório das Migrações divulgou um estudo que conclui que só um em cada cinco imigrantes em Portugal desempenha funções que correspondem às suas qualificações. De forma pertinente o estudo assinala o que este número revela de desaproveitamento em Portugal do capital humano que representam os imigrantes. Para esta realidade contribuiu significativamente o afluxo de imigrantes oriundos de países do Leste europeu e mais recentemente de brasileiros.

Manda a lógica que se reconheça que uma gestão racional dos fluxos migratórios deveria permitir que estas situações não se verificassem numa dimensão tão impressiva.

Por um lado, trata-se de reconhecer que a autorização para entrada e permanência dos imigrantes no nosso território deveria incluir, à partida, uma metodologia de aferição das qualificações dos imigrantes, desejavelmente nos próprios países de origem. Deste modo, estaríamos a avaliar com maior rigor a adequação dos candidatos à imigração aos postos de trabalho que pretendem vir a ocupar entre nós.

Por outro lado, o reconhecimento das qualificações académicas e profissionais obtidas em países terceiros constitui um processo complexo, para o qual as instâncias administrativas portuguesas nem sempre estão preparadas, atentas até a diversidade dos países de origem dos imigrantes e as dificuldades de certificação dessas qualificações tanto do ponto de vista formal como de substância. A questão colocada por este estudo é complexa.

Mostram também os estudos sobre os mais recentes fluxos migratórios que, contrariamente a muitas ideias feitas, são cada vez mais as pessoas de classes médias e com formação de base que imigram para os países europeus. A imagem da "imigração de desesperados" está longe de esgotar a realidade dos actuais fluxos migratórios.

Esses imigrantes procuram uma vida melhor nos países de destino e a sua motivação leva-os a aceitar ocupar postos de trabalho e desempenhar funções ou tarefas inferiores às que poderiam aspirar em função das suas qualificações académicas ou profissionais. Os desníveis económicos e sociais explicam que, mesmo nas tarefas mais inferiores da escala social nos países europeus, essas pessoas auferirão rendimentos superiores aos que usufruíam nos seus países de origem em posições mais adequadas às suas efectivas qualificações.

Nesse aspecto a assumpção de funções de menor exigência é o preço que estão dispostos a pagar para terem uma oportunidade de imigrar. Daí que, no seu interesse, muitas vezes nem declarem com exactidão as habilitações e qualificações de que são titulares, receando que a sobrequalificação lhes tolha a possibilidade de imigrarem.

Mas este fenómeno também é conhecido entre nós. Quantos desempregados aceitam um posto de trabalho manifestamente abaixo das suas qualificações e potencialidades para apenas poderem ter a garantia de um ganha-pão para eles e suas famílias? Acresce que as autorizações para imigrar são definidas em função das necessidades de mão-de-obra dos países de destino. Assim, uma grande parte das ofertas de trabalho para candidatos à imigração dizem respeito a postos de trabalho em que se exigem poucas qualificações.

É isso que explica que, havendo falta de médicos no Serviço Nacional de Saúde em Portugal, a chegada de médicos espanhóis se tenha ficado a dever sobretudo à sua iniciativa pessoal e os 120 médicos imigrantes (sobretudo do Leste europeu) que a Fundação Gulbenkian apoiou há mais de dois anos e que hoje exercem medicina em Portugal tenham imigrado para o nosso país para trabalhar na construção civil ou na restauração.

O "final feliz" deste caso dos médicos pode (e deve) suceder com outras profissões, onde o mercado de trabalho português se mostra deficitário, mas não constitui em si mesmo uma receita universal. Daí a importância do estudo em causa: conhecer a realidade da qualificação dos imigrantes que estão já entre nós constitui um pressuposto de uma política de imigração racional.

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